domingo, 21 de fevereiro de 2010

La Bonté Qui Tue - Parte 2

Certamente um cliente da sapataria do Sr. Cordonnier se diferenciava dos demais: era Antoine Saint Damien, ou simplesmente o Conde de Charnoy. Seus empregados o tinham com grande consideração. Apesar do grau de nobreza, não destratava dos seus demais, e sempre deixava à disposição de seus empregados os serviços do sapateiro.

O Conde também possuía aquele que era considerado um dos maiores tesouros de toda cidade: Isabelle, sua filha. Alta, com corpo um pouco magro para os padrões da época, mas que em seus vestidos renomados faziam todos olharem com admiração e inveja para aquela moça de pele alva, cabelos loiros, olhos verdes e boca rosada. Os homens a queriam, as mulheres desejavam ser iguais a ela. Ninguém a tinha, ninguém se assemelhava.

Aquele dia haveria uma festa na casa do Conde para receber um importante oficial da coroa espanhola, e ele fez questão que todos estivessem impecáveis com suas vestimentas. Sr. Cordonnier foi até a casarão do Conde entregar todos os sapatos encomendados. Com ele estava Françoise-Patrick, que nunca tinha entrado nas dependências do casarão, e ficou maravilhado com o belíssimo jardim particular dos Saint Damien. Caminhava perdidamente dominado pelo fascínio até que em um dado momento uma voz chamou-lhe atenção:

- Hei, você aí! Leve as minhas bagagens, vamos.

Muitos teriam refutado, afinal, ele não era empregado da casa. Nem mesmo com educação foi feito o pedido. Mas não passou isso pela cabeça de Clément, que não se importou em carregar as pesadas malas daquele jovem bem afeiçoado e vestido.

Após passar por salas maiores que sua casa, e corredores mais longos que já tinha visto, Clément deixou as pesadas caixas de couro que lhe fora ordenado.

- Aqui, aqui! Deixe-as aqui. Agora saia, va!

Sem se sentir menosprezado, mesmo com a arrogância daquele rapaz, Françoise-Patrick virou-se e bateu em sua saída. Mas tal trato não passou em branco para uma certa pessoa: Isabelle.

- Frederic, nunca perderá essa arrogância? - disse a filha do Conde, para depois emendar olhando para Clément: Nunca te vi por aqui. Veio trabalhar apenas pelo dia de hoje?

- Mais ou menos, senhorita – respondeu ele, olhando para baixo, assustado e nervoso com a graça de Isabelle, a qual reconheceu na hora, mesmo vendo-a apenas a metros de distância dentro de sua carruagem. Sou sapateiro, vim com o meu pai entregar os calçadpos encomendados pelo digníssimo Conde.

- E o que fazia carregando as malas do meu primo? Bem, você é sapateiro? Poderia arrumar o salto de um dos meus sapatos que quebrou? Gostaria muito de usá-lo hoje à noite.

Prontamente Clément aceitou, e ela pediu para que trouxesse naquele mesmo dia, e o sapateiro afirmou que antes do sol se pôr completamente, ele estaria entregando o sapato.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

La Bonté Qui Tue - Parte 1

Era dado o ano de 1736, e a cidade de Charnoy vivia seu crescimento quase ininterrupto, devido à sua importância para a colônia espanhola (que detinha os domínios da cidade belga), e por ser um importante caminho que cortava os Países Baixos, às margens do rio Sambre.

Em toda sua movimentação havia um jovem sapateiro chamado Françoise-Patrick Clément. Era um jovem sem nenhuma beleza, mas nada assustador. Tinha quase todos os dentes, o que para sua classe era algo de grande orgulho. Era de estatura média, braços longos e finos, acompanhando o corpo magro, com cabelos curtos e negros, e olhos acinzentados.

Trabalhava com senhor Jérôme Cordonnier, sapateiro com preços populares, que tinha em seus calçados a credibilidade de uma boa duração, apesar de não primar muito pela estética, o que limitava seus clientes aos mais populares. Criava Françoise-Patrick desde os seus sete anos, quando sua mãe, uma viajante, morreu de pneumonia. Solidário ao garoto que chorava no chafariz com a mãe no colo, Sr. Cordonnier decidiu, juntamente com sua esposa Catherine, cuidar do menino – já que não podiam ter filhos.

Clément era um bom sapateiro. Nada excepcional, mas competente e esforçado, e suas mãos calejadas atestavam isso. Todos os trabalhadores da rue de la Montagne sabiam disso, afinal, trabalhara desde os oito anos na sapataria do Sr. Cordonnier – e, portanto, quinze anos trabalhando na rua mais movimentada de Charnoy.

A gratidão fazia parte da sua história, mas ela talvez tenha sido a desenvolvedora de um atributo de sua personalidade que lhe seria característico e reconhecido por todos: a sua bondade. E ela foi a causa de toda desgraça de Clément...