domingo, 14 de março de 2010

La Bonté Qui Tue - Parte 4

Ao chegar na mansão do Conde de Charnoy, Clément foi levado até o jardim, e lhe fora ordenado que esperasse lá até avisarem a jovem Isabelle da sua presença. E lá esperou, orgulhoso, com os sapatos embaixo de seus braços, antes do pôr do sol.

Começou a ficar nervoso, pois estava escurecendo, e a casa agitada com todos os preparativos não o ajudava em nada a controlar tal ansiedade.

Já chegando a noite, Françoise-Patrick começou a andar pelo imenso terreno. Sua cabeça estava perdida em meio a tantos pensamentos, tantas projeções. E em tal ponto, percebeu que tinha andado bastante pelo pomposo jardim, e que Isabelle poderia estar a sua procura onde ordenaram para que esperasse. Meio perdido, tentou voltar rapidamente, mesmo não lembrando muito por onde tinha vindo, ainda mais em toda aquela escuridão. Foi quando escutou algo que o fez parar. Pareciam gemidos, de alguém fazendo força, e começou a seguir tal som, até que se deparou com Frederic, por cima de Isabelle, que estava deitada e desacorda no chão de terra escura. Clément saiu em disparada gritando socorro, mas sentiu um forte golpe na cabeça, que imediatamente o fez perder os sentidos.

Ao acordar, Françoise-Patrick estava caído e amarrado, ao lado de Isabelle. Recebeu um chute violentíssimo do encarregado de Charnoy, e os que estavam em volta começaram a gritar: “assassino!”. As autoridades tiveram que cercar o jovem, e carregá-lo em meio a pessoas enfurecidas. O que não impediu que golpes, pedras e toda sorte de fúria atingissem o rapaz. Clemént estava assustado, não entendia nada, e só conseguia chorar perguntando desnorteadamente o que estava acontecendo.

La Bonté Qui Tue - Parte 3

Françoise-Patrick se apressou em deixar pronto o sapato da Srta. Isabelle o mais rápido possível. Nem fez sua refeição e, trancado dentro da sapataria, realizou minuciosamente o trabalho, afim de ser o melhor que já tivesse feito - já com o seu habitual capricho. A cada momento pensava se Isabelle viria a gostar, e ficou tencionando em diversas respostas que ela daria ao ver seu sapato, e até mesmo possíveis expressões.

O jovem fazia isso apenas porque se sentia bem. Para ele era impossível mais que um sincero agradecimento da mais bela moça de Charnoy. E não almeja nada mais que isso, e era motivo de muita alegria e orgulho para sua pessoa saber que era bom no que fazia, e que as pessoas se sentiam bem com suas ações.

Em toda sua vida, Clément buscou isso. O Sr. Cordonnier, como um bom católico, dizia que “Deus assim fez, agradeceremos e cumpriremos Sua vontade com alegria no coração”. Para ele, era simples: Deus tinha designado para cada um uma vida e, se essa era a vontade de Deus, que eles seguissem com alegria tal predestinação. Ou seja, se eram sapateiros, que fizessem isso com orgulho e dedicação; Se eram pobres, não era motivo para invejar os ricos, nem ter vergonha de seus semelhantes, e não desviar o bom trato e vontade deles, mas sempre estender-lhes.

Todo pensamento de Cordonnier foi captado por Françoise-Patrick, mesmo que esse não compreendesse muito sobre Deus.

Certa vez conversando com o Sr. Monsoreau enquanto arrumava seu sapato, o escritor francês que escolhera a agradável Charnoy para viver perguntou, com uma certa ironia cética imperceptível para o rapaz, se ele entendia os planos de Deus, ao ouvi-lo repetir as palavras daquele que considerava seu pai. Clément, como sempre, apenas foi sincero dentro daquilo que sabia:

- Não compreendo Sr. Monsoreau. Não compreendo muitas coisas além de sapatos. Gostaria de saber mais, aprender mais, ter uma bela esposa, desfrutar sempre da melhor comida... Mas essa não é a minha vida, nem será. Mas isso não me impede ser feliz por aqueles que desfrutam isso. Não digo que Deus está feliz pelo o que eles fazem das suas vidas, mas acredito que esteja satisfeito por eu respeitar e me alegrar por eles, e agradecer pelo que tenho.

O Sr. Monsoreau não disse mais nada. Pensou que seria perda de tempo com o garoto, e duvidou que a bondade dele fosse tão plena. Mas Clément nunca tinha dado motivos para ele desconfiar. No final, deixou uma das mais gordas gorjetas que Françoise-Patrick viria receber.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

La Bonté Qui Tue - Parte 2

Certamente um cliente da sapataria do Sr. Cordonnier se diferenciava dos demais: era Antoine Saint Damien, ou simplesmente o Conde de Charnoy. Seus empregados o tinham com grande consideração. Apesar do grau de nobreza, não destratava dos seus demais, e sempre deixava à disposição de seus empregados os serviços do sapateiro.

O Conde também possuía aquele que era considerado um dos maiores tesouros de toda cidade: Isabelle, sua filha. Alta, com corpo um pouco magro para os padrões da época, mas que em seus vestidos renomados faziam todos olharem com admiração e inveja para aquela moça de pele alva, cabelos loiros, olhos verdes e boca rosada. Os homens a queriam, as mulheres desejavam ser iguais a ela. Ninguém a tinha, ninguém se assemelhava.

Aquele dia haveria uma festa na casa do Conde para receber um importante oficial da coroa espanhola, e ele fez questão que todos estivessem impecáveis com suas vestimentas. Sr. Cordonnier foi até a casarão do Conde entregar todos os sapatos encomendados. Com ele estava Françoise-Patrick, que nunca tinha entrado nas dependências do casarão, e ficou maravilhado com o belíssimo jardim particular dos Saint Damien. Caminhava perdidamente dominado pelo fascínio até que em um dado momento uma voz chamou-lhe atenção:

- Hei, você aí! Leve as minhas bagagens, vamos.

Muitos teriam refutado, afinal, ele não era empregado da casa. Nem mesmo com educação foi feito o pedido. Mas não passou isso pela cabeça de Clément, que não se importou em carregar as pesadas malas daquele jovem bem afeiçoado e vestido.

Após passar por salas maiores que sua casa, e corredores mais longos que já tinha visto, Clément deixou as pesadas caixas de couro que lhe fora ordenado.

- Aqui, aqui! Deixe-as aqui. Agora saia, va!

Sem se sentir menosprezado, mesmo com a arrogância daquele rapaz, Françoise-Patrick virou-se e bateu em sua saída. Mas tal trato não passou em branco para uma certa pessoa: Isabelle.

- Frederic, nunca perderá essa arrogância? - disse a filha do Conde, para depois emendar olhando para Clément: Nunca te vi por aqui. Veio trabalhar apenas pelo dia de hoje?

- Mais ou menos, senhorita – respondeu ele, olhando para baixo, assustado e nervoso com a graça de Isabelle, a qual reconheceu na hora, mesmo vendo-a apenas a metros de distância dentro de sua carruagem. Sou sapateiro, vim com o meu pai entregar os calçadpos encomendados pelo digníssimo Conde.

- E o que fazia carregando as malas do meu primo? Bem, você é sapateiro? Poderia arrumar o salto de um dos meus sapatos que quebrou? Gostaria muito de usá-lo hoje à noite.

Prontamente Clément aceitou, e ela pediu para que trouxesse naquele mesmo dia, e o sapateiro afirmou que antes do sol se pôr completamente, ele estaria entregando o sapato.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

La Bonté Qui Tue - Parte 1

Era dado o ano de 1736, e a cidade de Charnoy vivia seu crescimento quase ininterrupto, devido à sua importância para a colônia espanhola (que detinha os domínios da cidade belga), e por ser um importante caminho que cortava os Países Baixos, às margens do rio Sambre.

Em toda sua movimentação havia um jovem sapateiro chamado Françoise-Patrick Clément. Era um jovem sem nenhuma beleza, mas nada assustador. Tinha quase todos os dentes, o que para sua classe era algo de grande orgulho. Era de estatura média, braços longos e finos, acompanhando o corpo magro, com cabelos curtos e negros, e olhos acinzentados.

Trabalhava com senhor Jérôme Cordonnier, sapateiro com preços populares, que tinha em seus calçados a credibilidade de uma boa duração, apesar de não primar muito pela estética, o que limitava seus clientes aos mais populares. Criava Françoise-Patrick desde os seus sete anos, quando sua mãe, uma viajante, morreu de pneumonia. Solidário ao garoto que chorava no chafariz com a mãe no colo, Sr. Cordonnier decidiu, juntamente com sua esposa Catherine, cuidar do menino – já que não podiam ter filhos.

Clément era um bom sapateiro. Nada excepcional, mas competente e esforçado, e suas mãos calejadas atestavam isso. Todos os trabalhadores da rue de la Montagne sabiam disso, afinal, trabalhara desde os oito anos na sapataria do Sr. Cordonnier – e, portanto, quinze anos trabalhando na rua mais movimentada de Charnoy.

A gratidão fazia parte da sua história, mas ela talvez tenha sido a desenvolvedora de um atributo de sua personalidade que lhe seria característico e reconhecido por todos: a sua bondade. E ela foi a causa de toda desgraça de Clément...